As novas tecnologias colocaram à prova modelos de negócios estabelecidos há décadas. Adequar o negócio aos novos tempos é a chave da sobrevivência.
O estadista e cientista americano Benjamin Franklin afirmou, em meados do século XVIII, que, “quando você deixa de mudar, você está acabado”*. A frase foi escrita há mais de 200 anos, mas pode perfeitamente ser aplicada ao ambiente de negócios dos dias atuais. A revolução tecnológica das últimas décadas – que tem sua origem mais remota nos trabalhos pioneiros que Franklin desenvolveu com a eletricidade – mudou radicalmente a forma como as pessoas vivem, se relacionam, se informam e consomem. A recente popularização das redes sociais e dos dispositivos móveis, como smartphones e tablets, apenas acelerou e radicalizou o processo de transformação movido pela tecnologia da informação. Espectadores e leitores, até então passivos, ganharam o poder de criar e distribuir o próprio conteúdo. Consumidores tiveram suas vozes amplificadas exponencialmente. O trabalho colaborativo, realizado muitas vezes por indivíduos que jamais se conheceram pessoalmente, tornou-se prática comum. Ao mesmo tempo, indústrias inteiras tiveram seus modelos de negócios colocados à prova.
Considerando em perspectiva histórica que ainda estamos nos primeiros momentos dessa revolução, não é difícil imaginar que novas transformações de grande porte estão prestes a acontecer. “Existe uma nova articulação das cadeias de valor”, diz Silvio Meira, professor de engenharia de software da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e cientista – chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar). “São cadeias intrinsecamente diferentes daquelas isoladas que foram articuladas desde a Revolução Industrial. Com esse cenário, aliado a uma revolução do conhecimento trazida pela conectividade, cria-se a necessidade de repensar integralmente os negócios, sejam eles uma fábrica de bicicletas ou uma produtora de vídeo.”
Meira lembra que a eletricidade foi inventada há apenas – olhando mais uma vez com o devido distanciamento historic o – 130 anos. “Hoje, não se concebe um negócio que prescinda de eletricidade. O mesmo vai acontecer com a internet, que vai se tornar tão onipresente quanto a água e a energia”, afirma o professor. “Isso vai levar, em poucos anos, a um redesenho da economia e da sociedade. Os impactos serão sentidos por todos, em todos os lugares. Vão mudar o trânsito, o entretenimento, a educação, as cidades e muitas outras coisas.”
Em muitos lugares e em determinados mercados, as mudanças já são claras. O Skype, software de comunicação por voz pela internet, por exemplo, já atinge cerca de 50% das ligações de longa distância feitas no mundo. O comércio, por sua vez, está sendo afetado diretamente pelo aumento da conectividade dos consumidores. Estima-se que, nos Estados Unidos e na Europa, 30% de todas as vendas no varejo já sejam afetados pelo uso de smartphones. “As pessoas usam o aparelho para pesquisar, comparar preços e categorias, encontrar lojas e pedir a opinião dos amigos”, diz Meira.
Setores muito bem estabelecidos estão passando por mudanças drásticas, a exemplo do que já ocorreu com a imprensa e a indústria fonográfica. “Uma cadeia de valor como a da literatura, estabelecida há centenas de anos, vai se redesenhar completamente em pouco tempo. A ruptura vai ser completa”, explica Meira. A massificação dos aparelhos digitais de leitura, aliada à facilidade e o baixíssimo custo de distribuição das obras em formato eletrônico, é a mola propulsora desse processo. “Sempre dizem que o Brasil inteiro tem menos livrarias que a cidade de Buenos Aires. Isso já não faz a menor diferença. Não interessa mais onde a livraria está fisicamente. O importante é termos acesso a ela.”
As mudanças parecem muitas vezes ser apenas superficiais. Afinal, criar uma conta no Facebook ou escrever um blog passaram a ser atividades bastante corriqueiras nos dias de hoje. “As pessoas em geral acham que o fenômeno das redes sociais é uma mudança de paradigma comportamental, mas elas estão enganadas”, diz o economist especialista em mídia social Wagner Martins. “O que está ocorrendo é uma mudança de paradigma econômico. A participação das pessoas nas redes é a expressão mais clara do barateamento dos meios de produção trazidos pela revolução digital”, diz Martins, que é sócio-diretor de planejamento da agência de marketing viral Espalhe.
Do ponto de vista marxista, segundo o economista, está ocorrendo a socialização da produção. “Marx dizia que o progresso técnico que o capitalismo permite é tão fabuloso que caminhamos inevitavelmente para o barateamento dos meios de produção. Foi exatamente o que aconteceu na área de mídia. O que antes custava 20 mil dólares hoje custa 20 centavos.” Martins lembra que o conceito de socialism na obra do pensador alemão nada tem a ver com a experiência totalitária do século XX comandada pela União Soviética. “As pessoas não vão deixar de produzir ou de inovar. Pelo contrário. Com acesso direto aos meios de produção, elas terão ainda mais capacidade de produção disponível.”
Mudanças profundas
Não faltam exemplos concretos de que as mudanças são profundas. Além do caso clássico das empresas hoje dominantes em suas áreas e que nasceram na primeira onda de investimentos em negócios relacionados à internet – como Google e Amazon –, novas companhias surgem a todo momento com produtos e processos inovadores. “A empresa que não está voltada a garantir a própria sobrevivência está fadada a desaparecer”, diz o professor Meira. Ele cita o caso do Dwolla, um negócio recém-criado no estado norte-americano de Iowa, que tem potencial para colocar o mercado de meios de pagamento de pernas para o ar. Ao contrário da prática usual do mercado, de cobrar do comerciante uma taxa percentual fixa sobre as transações, a Dwolla tarifa apenas as compras com valor acima de 10 dólares. “Esse é um exemplo típico de um processo de seleção não natural no qual os novos entrantes é que determinam o mercado”, diz Meira. “Como a mudança tecnológica é muito mais rápida do que a capacidade de mudança das empresas já estabelecidas, são os novos participantes do mercado que impõem a inovação.”
O economista cita o exemplo do AirBNB, um site de aluguel de quartos, casas e apartamentos para turistas que hoje pode ser considerado o maior complexo hoteleiro do mundo, mesmo tendo sido criado há apenas dois anos. O serviço conecta proprietários de cômodos ou imóveis disponíveis para pequenas temporadas com turistas que preferem evitar a impessoalidade e os altos preços dos hotéis tradicionais. “Quando surgiu o avião, a indústria ferroviária morreu porque o tratou como concorrente. Eles achavam que o negócio deles era trem, quando na verdade era transporter pessoas”, diz o economista. “O mesmo pode acontecer com a hotelaria se as grandes redes não perceberem logo que o negócio delas é arrumar um lugar para as pessoas ficarem, e não construir hotéis.”
Perceber as mudanças não é tão difícil. O mais complicado, para as grandes companhias, é saber como se portar diante da nova realidade – e não ser atropelado por ela. “É possível ser líder de mercado e inovar”, diz o consultor Álvaro Leal, da IT Data. “Na verdade, combinar essas duas características é algo necessário.” Leal diz que, até pouco tempo, as empresas contavam apenas com instrumentos como pesquisas junto ao consumidor e números de participação de Mercado para avaliar sua atuação. “As redes sociais permitem, agora, uma avaliação dinâmica da percepção do mercado sobre as mudanças táticas das empresas. Tudo ocorre em tempo real. Esse é o principal ativo que surge das redes sociais.”
Saber responder às demandas do consumidor, sejam elas quais forem, de maneira rápida e eficaz é uma das saídas para quem deseja sobreviver. “É preciso lembrar sempre que você não lidera ninguém. Você, na verdade, atende a um conjunto de expectativas. Na hora que deixar de atendê-las, acabou”, diz Meira. “Tem que olhar para as oportunidades que a tecnologia traz e tentar se apropriar delas antes que os outros o façam”, afirma Martins. É o que Leal chama de “pioneirismo com responsabilidade”. O ciclo cada vez mais rápido de maturação das tecnologias faz com que a adoção de determinados processos se torne um diferencial competitive em muitas ocasiões. “Mas é preciso antes avaliar os riscos e a taxa de retorno potencial antes de fazer qualquer coisa.”